O doutorado é mesmo essencial?

Comecei o meu doutorado com intenção já pré-definida de um dia poder abrir o meu próprio escritório de engenharia.

 

Explico:

 

Todas as minhas passagens por escritórios de engenharia, como funcionário ou estagiário, foram muito estimulantes. O que me intrigou foi que todos os meus ex-chefes haviam um certificado de doutorado pendurado na parede. Poderia ser uma simples coincidência?

 

Poderia.

 

A princípio pensei que a razão do diploma de Ph.D. fosse porque a maioria deles eram ex-professores universitários e que aquilo ali não significava muito do dia-a-dia de um escritório de projetos. Seria somente o caminho normal de quem seguisse para a área acadêmica. Meu ponto de vista foi mudando com o passar do tempo. Percebi que no caso da engenharia civil (diferentemente de outras áreas) o conhecimento técnico e a experiência profissional conta muito na hora de tomar decisões, dar consultorias e assinar termos de responsabilidade técnica. O desenvolvimento de projetos desafiadores e de grande importância está assistido por profissionais gabaritados. Todos eles, salvo poucas exceções, acima de seus 60 anos de idade.

 

A área computacional está cheia de jovens, assim como eu, programam e desenvolvem modelos em elementos finitos utilizando mil programas diferente com interface gráfica moderna e resultados precisos. Mas sempre recorremos aos nossos mentores, com idade avançada e muita experiência para fundamentar nossas empreitadas. Sempre eles para acalmarem nossas almas jovens e cheias de dúvidas.

 

Foi quando notei que o diploma de doutorado era uma passagem enriquecedora (porém não obrigatória) para uma pessoa que tinha a ambição de se tornar chefe em um escritório de projetos. Chamar a responsabilidade exigiu coragem.

 

A minha passagem pelo doutorado não foi fácil, mas foi muito gratificante. Aprendi demais e aprendi muito do que não vemos e não fazemos no âmbito profissional. Acredito que o maior desafio, pra quem gosta de aplicar a técnica, é lançar as vigas de uma ponte que sustenta a comunicação entre academia e o mercado profissional. O pragmatismo é uma constante nessa hora. É um tanto quanto complicado “convencer” o seu chefe a aplicar uma técnica nova. Não é mesmo?

 

O começo do curso de doutorado foi bem confuso. Me senti completamente deslocado. No meu caso, esse sentimento de exclusão foi agravado pelo fato de eu ter escolhido fazer o curso em uma universidade no exterior. A língua foi o primeiro desafio. Apesar de falar inglês fluente, é diferente pensar, raciocinar e apresentar tecnicamente conceitos em inglês de uma forma fluida. Tive que passar tudo o que tinha na minha mente técnica para o inglês. Em consequência, ainda hoje consigo explicar conceitos técnicos de forma mais fluida em inglês do que em Português. Além de tudo, como eu estava na Itália, tive que aprender italiano. O meu curso era pra ser em inglês. Mas isso foi deixado de lado por motivos variados (vamos dizer que o italiano não é muito prático em inglês) ou seja, aprender italiano foi necessário.

 

Os primeiros seis meses foram estressantes. Me auto diagnostiquei com Síndrome do impostor. Mas isso passou. Conversando com outros doutorandos percebi que esse sentimento era comum. No exterior as pessoas falavam de técnicas diferentes e em geral as pessoas de culturas diferentes estudam de forma diferente e se comunicam de forma diferente. Esses padrões agravam o sentimento de não pertencimento.

 

Encontrei um orientador que era bem exigente e muito ocupado. Ele tinha acabado de voltar pra Itália depois de um período de dez anos na Nova Zelândia e fui o seu primeiro aluno de doutorado em Roma. Muito do que tive que aprender, foi sozinho mesmo. Mas acho que isso é ritual bem comum na área. Percebi que se eu não desenvolvesse minha técnica eu não sairia do lugar. Segui o caminho por onde acreditava e busquei aquilo que eu queria desenvolver. No final de tudo foi libertador. O papel do orientador é justamente tentar tirar o melhor do seu orientando. Existem muitas formas de se fazer isso, e cada orientador tem a sua.

 

A questão era que meu caminho estava sendo traçado, e ao final do curso, que durou quatro anos, me peguei pensando em qual caminho deveria seguir. Lembrei dos motivos que comecei tudo isso e no final das contas era bem aquilo mesmo, apesar das infinitas possibilidades. Os bons relacionamentos que fazemos durante o período são importantes. Em um desses, acabei conhecendo quem é hoje a minha sócia.

 

A conheci de forma casual, em uma despedida de uma amiga que tínhamos em comum. Ela é uma arquiteta brasileira que tem um caminho profissional parecido, apesar da área ser diferente, sabemos que é interligada. Muito mais do que imaginamos.

 

Foi conversando sobre os entraves entre Arquiteto e Engenheiro que chegamos a uma conclusão em comum: que esses dois profissionais, no geral, não trabalham em conjunto. Acreditamos que isso seja uma falha. Um projeto bem elaborado deve ser visto de forma complementar. Melhor ainda, se na sua concepção já for pensado de forma complementar. Isto é, Arquiteto e Engenheiro trabalhando em conjunto.

 

Foi dessa forma que nasceu o nosso escritório (Mancini & Marchiori). Um escritório que trabalha somente com projetação, mas de forma conectada e inteligente. Na concepção, sempre discutimos quais são as possibilidades que temos e tentamos eliminar o máximo possível os pontos que podem gerar conflitos no futuro. Isso é estimulante. O projeto já nasce de forma inteligente e ganhamos em produtividade e satisfação final do cliente.

 

Para finalizar, sem me alongar demais, o doutorado não é obrigatório mas definitivamente amplia o nosso ponto de vista. Aprendemos mais, aprendemos a aprender mais, aprendemos a ultrapassar algumas barreiras e contribuir com o desenvolvimento de novas técnicas. Se tudo isso é importante para o crescimento profissional? Claro que sim. Mas, mais do que isso, o doutorado ajuda a amadurecer.

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